segunda-feira, 22 de junho de 2015

Resumo: O Mito de Er - A República de Platão


O mito de Er é uma história que Platão conta em seu diálogo livro A República, livro X. Trata-se de um relato, transmitido oralmente, de alguém que retornou do Hades. No mito de Er, o essencial é que fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, as almas injustas pagavam a pena de quanto houvessem feito em vida, a fim de purificarem a alma.
Platão, discípulo de Sócrates, dizia que o poder da virtude era tal que teria repercussões para além da própria e limitada vida de um individuo, ou seja, depois da morte. É assim que retoma o tema da imortalidade e relata um mito, figura literária muito usada na Grécia antiga. Este mito é vulgarmente conhecido como O Purgatório, pois representa, para alguns interpretadores, um nível intermédio entre o Inferno e o Céu.
Platão conta o que aconteceu a um habitante, propriamente um guerreiro, que fora morto em batalha.  Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefatos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, estava jazente sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Assim, Platão conta o que outro supostamente observou e comunicou a outros.
Conta Platão que após a sua alma sair do corpo viajou com outras almas até chegar a um lugar divino com duas aberturas contíguas (Aquilo que está próximo a alguma outra coisa, ao lado) na terra e duas no céu frente a estas. No espaço entre elas presidiam juízes que, depois de se pronunciarem, decidiam para onde se encaminhariam as almas. Os justos seguiam para a abertura da direita, que subia ao céu, os injustos seguiam para a da esquerda, que descia. Todas levavam uma nota com o julgamento e com tudo o que haviam feito.
A Er foi dito que seria o mensageiro junto dos homens das coisas daquele lugar. As almas que ali chegavam vindo da terra pareciam vir de uma longa travessia, estavam impuras e imundas, enquanto que as que vinham do céu chegavam puras e limpas contando experiências deliciosas e visões de indescritível beleza. As que chegavam de baixo gemiam e choravam, recordavam sofrimentos e dores da viagem de mil anos por debaixo da terra.
O funcionamento habitual era o de que cada alma pagasse sucessivamente todas as injustiças cometidas, fosse contra quem fosse. A pena de cada injustiça era paga dez vezes. Os atos justos seriam também recompensados deste modo. As interpretações referentes ao número de anos são díspares entre os interpretadores, mas é mais ou menos consensual que cada pena era paga em cem anos, resultando, portanto, nos mil anos totais (dez vezes cem). As exceções existiam relativamente a crimes de homicídio ou de impiedade, quer em relação aos deuses, quer em relação aos pais, em que as penas eram ainda maiores. Note-se ainda que apenas eram dispensadas da viagem por debaixo da terra, em sofrimento, quando finalmente se curassem da sua maldade e expiassem totalmente a pena. Só reunindo estas duas condições a abertura permitia que subissem.
Então, um mensageiro dos deuses pegou em lotes e modelos de vida e dispô-los para as almas escolherem, pois iria começar outro período portador de morte (tempo de vida humana). Havia destinos para todas as espécies, mas destas escolhas resultavam imensas armadilhas. O essencial era escolher a fim de não cair na ganância da tirania e da riqueza, evitar os excessos na vida mundana e optar sempre com muita prudência. Só assim um humano alcançaria a felicidade suprema, não esquecendo que a escolha deveria ser dirigida pela procura da virtude, pois a responsabilidade pesaria apenas sobre quem escolhe.
Er fica sabendo que todas as almas renascem em outras vidas para se purificarem de seus erros passados até que não precisem mais voltar à Terra, permanecendo na eternidade. Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podem escolher a nova vida que terão. Algumas escolhem a vida de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, outras de artista, de sábio. Depois as almas foram conduzidas para a planície por onde corre o rio Lethé (que, em grego, quer dizer esquecimento) e, todas foram forçadas a beber uma certa quantidade de água, esquecendo tudo, umas mais que as outras, conforme bebiam mais ou menos. As que irrefletidamente bebiam mais esqueciam demais, eram os tolos e as que bebiam menos eram os sábios.

As que escolheram vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais bebem das águas do esquecimento; as que escolheram a sabedoria são as que menos bebem. Assim, as primeiras dificilmente (talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razão. Acontece o trovão e um tremor de terra, era a hora das almas irem ao encontro dos seus destinos a fim de nascerem, e Er impedido de beber acordou divinamente na pira funerária.

As Parcas

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Platão: O Mito de Er

«- A verdade que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem valente, Er o Arménio, Panfílio de nascimento. Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefactos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, estava jazente sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Contava ele que, depois que saíra do corpo, a sua alma fizera caminho com muitas, e havia chegado a um lugar divino, no qual havia, na terra, duas aberturas contíguas uma à outra, e no céu, lá em cima, outras em frente a estas. No espaço entre elas, estavam sentados juízes que, depois de pronunciarem a sua sentença, mandavam os justos avançar para o caminho à direita, que subia para o céu, depois de lhes terem atado à frente a nota do seu julgamento; ao passo que, os injustos, prescreviam que tomassem à esquerda, e para baixo, levando também atrás a nota de tudo quanto haviam feito. Quando se aproximou, disseram-lhe que ele devia ser o mensageiro, junto dos homens, das coisas do além, e ordenaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar. Ora ele viu que ali, por cada uma das aberturas do céu e da terra, saíam as almas, depois de terem sido submetidas ao julgamento, ao passo que pelas restantes, por uma subiam as almas que vinham da terra, cheias de lixo e de pó, e por outra desciam as almas do céu, em estado de pureza. E as almas, à medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegíria[1]; e as que se conheciam, cumprimentavam-se mutuamente, e as que vinham da terra faziam perguntas às outras, sobre o que se passava no além, e as que vinham do céu, sobre o que sucedia na terra. Umas, a gemer e a chorar, recordavam quantos e quais sofrimentos haviam suportado e visto na sua viagem por baixo da terra, viagem essa que durava mil anos, ao passo que outras, as que vinham do céu, contavam as suas deliciosas experiências e visões de uma beleza indescritível. Referir todos os pormenores seria, ó Gláucon, tarefa para muito tempo. Mas o essencial dizia ele que era o que segue. Fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, pagavam a pena de tudo isso sucessivamente, dez vezes por cada uma, quer dizer, uma vez em cada cem anos, sendo esta a duração da vida humana – a fim de pagarem, decupilando-a, a pena do crime; por exemplo, quem fosse culpado da morte de muita gente, por ter traído Estados ou exércitos e os ter lançado na escravatura, ou por ser responsável por qualquer outro malefício, por cada um desses crimes suportava padecimentos a duplicar; e, inversamente, se tivesse praticado boas acções e tivesse sido justo e piedoso, recebia recompensas na mesma proporção. Sobre os que morreram logo a seguir ao nascimento e os que viveram pouco tempo, dava outras informações que não vale a pena lembrar. Em relação à impiedade ou piedade para com os deuses e para com os pais, e crimes de homicídio, dizia que os salários eram ainda maiores.
Contava ele, com efeito, que estivera junto de alguém a quem perguntaram onde estava Ardieu o Grande. Este Ardieu tinha sido tirano numa cidade da Panfília, havia já então mil anos; tinha assassinado o pai idoso e o irmão mais velho, e perpetrado muitas outras impiedades, segundo se dizia. E o interpelado respondera: “Não vem, nem poderá vir para aqui. Na verdade, um dos espectáculos terríveis que vimos foi o seguinte: Depois de nos termos aproximado da abertura, preparados para subir, e quando já tínhamos expiado todos os sofrimentos, avistámos de repente Ardieu e outros, que eram tiranos, na sua quase totalidade; mas também havia alguns que eram particulares que tinham cometido grandes crimes – que, quando julgavam que já iam subir, a abertura não os admitia, mas soltava um mugido cada vez que algum desses, assim incuráveis na sua maldade ou que não tinham expiado suficientemente a sua pena, tentava a ascensão. Estavam lá homens selvagens, que pareciam de fogo, e que, ao ouvirem o estrondo, agarravam alguns pelo meio e levavam-nos, mas, a Ardieu e outros, algemaram-lhes as mãos, pés e cabeça, derrubaram-nos e esfolaram-nos, arrastaram-nos pelo caminho fora, cardando-os em espinhos, e declaravam a todos, à medida que vinham, por que os tratavam assim, e que os levavam para os precipitar no Tártaro”. Então tinham tido terrores múltiplos e variados, mas o maior de todos era o de cada um deles ouvir o mugido, quando ia a subir, e foi com o maior gosto que cada um fez a ascensão ante o silêncio daquele. Eram mais ou menos estas as penas e castigos, e bem assim as vantagens que lhes correspondiam. Depois de cada um deles ter passado sete dias no prado, tinham de se erguer dali, e partir ao oitavo dia, para chegar, ao fim de mais quatro dias, a um lugar de onde se avistava, estendendo-se desde o alto através de todo o céu e terra, uma luz, direita com uma coluna, muito semelhante ao arco-íris, mas mais brilhante e mais pura. Cegaram lá, depois de terem feito um dia de caminho, e aí mesmo, viram, no meio da luz, pendentes do céu, as extremidades das suas cadeias (efectivamente essa luz é uma cadeia do céu, que tal como as cordagens das trirremes, segura o firmamento na sua revolução); dessas extremidades pendia o fuso da Necessidade, por cuja acção giravam as esferas. A respectiva haste e gancho eram de aço; o contrapeso, de uma mistura desse produto e de outros. Quanto à natureza do contrapeso, era como segue. A sua configuração era semelhante à dos daqui, mas, quanto à sua constituição, contava ele que devíamos imaginá-la da seguinte maneira: era como se, num grande contrapeso oco e completamente esvaziado, estivesse outro semelhante, maior, que coubesse exactamente dentro dele, como as caixas que se metem umas nas outras; do mesmo modo, um terceiro, um quarto, e mais quatro. Com efeito, eram oito ao todo, os contrapesos, encaixados uns nos outros, que, na parte superior, tinham o rebordo visível com outros tantos círculos, formando um plano contínuo de um só fuso em volta da haste. Esta atravessava pelo meio, de lés-a-lés, o oitavo. Ora o primeiro contrapeso, o exterior, era o que tinha o círculo de rebordo mais largo; o segundo lugar cabia ao sexto, o terceiro ao quarto, o quarto ao oitavo, o quinto ao sétimo, o sexto ao quinto, o sétimo ao terceiro, o oitavo ao segundo. O círculo do maior era cintilante, o do sétimo era o mais brilhante, o do oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava, o do segundo e do quinto eram muito semelhantes entre si; um pouco mais amarelados do que aqueles, o terceiro era o que tinha a cor mais branca, o quarto era avermelhado, o sexto era o segundo em brancura[2].O fuso inteiro girava sobre si na mesma direcção, mas, na rotação desse todo, os sete círculos interiores andavam à volta suavemente, em direcção oposta ao resto. Dentre estes, o que andava com maior velocidade era o oitavo; seguiam-se, ao mesmo tempo, o sétimo, o sexto, e o quinto; o quarto parecia-lhes ficar em terceiro lugar nesta revolução em sentido retrógrado, o terceiro em quarto, e o segundo em quinto. O fuso girava nos joelhos da Necessidade. No cimo de cada um dos círculos, andava uma Sereia que com ele girava, e que emitia um único som, uma única nota musical; e de todas elas, que eram oito, resultava um acorde de uma única escala[3]. Mais três mulheres estavam sentadas em círculo, a distâncias iguais, cada uma em seu trono, que eram as filhas da Necessidade, as Parcas[4], vestidas de branco, com grinaldas na cabeça – Láquesis, Cloto e Átropos – as quais estavam ao som da melodia das Sereias, Láquesis, o passado, Cloto, o presente, e Átropos o futuro. Cloto, tocando com a mão direita no fuso, ajudava a fazer girar o círculo exterior, de tempos a tempos; Átropos, com a mão esquerda, procedia do mesmo modo com os círculos interiores; e Láquesis tocava sucessivamente nuns e noutros com cada uma das mãos. Ora eles, assim que chegaram, tiveram logo que ir para junto de Láquesis. Primeiro, um profeta dispô-los por ordem. Seguidamente, pegou em lotes e modelos de vidas que estavam no colo de Láquesis, subiu a um estrado elevado e disse:
“Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade. Almas efémeras, vai começar outro período portador da morte para a raça humana. Não é um génio[5] que vos escolherá, mas vós que escolhereis o génio. O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor, cada um terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. O deus é isento de culpa”.
Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um apanhou o que caiu perto de si, excepto Er, a quem isso não foi permitido. Ao apanhá-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vida, em número muito mais levado, do que os dos presentes. Havia-os de todas as espécies, vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas, havia tiranias, umas duradoiras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na pobreza, na fuga, na mendicidade. Havia também vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, força e vigor, outras pela raça e virtudes dos antepassados; depois havia também as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas não continham as disposições do carácter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigência, a doença e a saúde, e bem assim o meio termo entre estes predicados. É ai que está, segundo parece, meu caro Gláucon, o grande perigo para o homem, e por esse motivo se deve ter o máximo cuidado em que cada um de nós ponha de parte os outros estudos para investigar e se aplicar a isto, a ver se é capaz de saber e descobrir quem lhe dará a possibilidade e a ciência de distinguir uma vida honesta da que é má e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possível a melhor […]
Ora, então, anunciou o mensageiro do além, o profeta falou deste modo: “Mesmo para quem vier em último lugar, se escolher com inteligência e viver honestamente, espera-o uma vida apetecível, e não uma desgraçada. Nem o primeiro deixe de escolher com prudência[6], nem o último com coragem”.
Ditas estas palavras, contava Er, aquele a quem coube a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior, e, por insensatez e cobiça, arrebatou-a, sem ter examinado capazmente todas as consequências, antes lhe passou despercebido que o destino que lá estava fixado comportava comer os próprios filhos e outras desgraças. Mas, depois que a observou com vagar, batia no peito e lamentava a sua escolha, sem se ater às prescrições do profeta. Efectivamente, não era a si mesmo que se acusava da desgraça, mas à sorte e às divindades, e a tudo, mais do que a si mesmo. Ora, esse era um dos que vinham, do céu, e vivera, na incarnação anterior, num Estado bem governado; a sua participação na virtude devia-se ao hábito, não à filosofia. Pode-se dizer que não eram menos numerosos os que vindos do céu, se deixavam apanhar em tais situações, devido à sua falta de treino nos sofrimentos. Ao passo que os que vinham da terra, na sua maioria, como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrer, não faziam a sua escolha à pressa. Por tal motivo, e também devido à sorte da escolha, o que mais acontecia às almas era fazerem a permuta entre males e bens. […]
Era digno de se ver este espectáculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas também ridículo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior. Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu escolher uma vida de cisne, por ódio à raça das mulheres, porque, devido a ter sofrido a morte às mãos delas, não queria nascer de uma mulher; vira a de Tamiras[7] escolher uma vida de rouxinol; vira também um cisne preferir uma vida humana, e outros animais músicos procederem do mesmo modo. [..]
Assim que todas as almas escolheram as suas vidas avançaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Láquesis. Esta mandava a cada uma o génio que preferira para guardar a sua vida e fazer cumprir o que escolhera. O génio conduzia-a primeiro a Cloto, punha-a por baixo da mão dela e do turbilhão do fuso a girar, para ratificar o destino que, depois da tiragem à sorte, escolhera. Depois de tocar no fuso, conduzia-a a novamente à trama de Átropos, que tornava irreversível o que fora fiado. Desse lugar, sem se poder voltar para trás, dirigia-se para o trono da Necessidade, passando para o outro lado. Quando as restantes passaram, todas se encaminharam para a planura do Letes[8], através de um calor e uma sufocação terríveis.
De facto, ela era despida de árvores e de plantas. Quando já entardecia, acamparam junto do Rio Ameles[9], cuja água nenhum vaso pode conservar. Todas são forçadas a beber uma certa quantidade dessa água, mas aquelas a quem a reflexão não salvaguarda bebem mais do que a medida. Enquanto se bebe, esquece-se tudo. Depois que se foram deitar e deu a meia-noite, houve um trovão e um tremor de terra. De repente, as almas partiram dali, cada uma para seu lado, para o alto, a fim de nascerem, cintilando como estrelas. Er, porém, foi impedido de beber. Não sabia, contudo, por que caminho nem de que maneira alcançara o corpo, mas, erguendo os olhos de súbito, viu, de manhã cedo, que jazia na pira.
Foi assim, ó Gláucon, que a história se salvou e não pereceu.»

Platão, República, Livro X, 614b-621c.
(Texto recolhido por: Miguel Alexandre Palma Costa)


[1] Nome genérico para os festivais religiosos dos gregos. A palavra significa etimologicamente «reunião geral».
[2] Seguindo a interpretação de Conford, o círculo exterior é o das estrelas fixas; o sexto, o de Vénus; o quarto, de Marte; o oitavo, da Lua; o sétimo, do Sol; o quinto, de Mercúrio; o terceiro, de Júpiter; o segundo, de Saturno. Quando se diz que”o oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava”, está-se a explicar a origem do luar, que, aliás, já fora compreendida por Xenófanes, Parménides, Empédocles e Anaxágoras.
[3] É a famosa «harmonia das esferas».
[4] Em grego, as Moirai; nos poemas homéricos, a Moirai representa, para cada um, o seu destino fixo, inamovível.
[5] No original encontramos a palavra daimon, que a partir de Hesíodo pode designar um ser intermédio entre deuses e homens. A ideia do daimon como uma espécie de «anjo da guarda» está aqui presente, mas à uma tentativa de fuga ao fatalismo implícito na crença popular grega.
[6] Inicialmente, em Platão a phronesis tem um significado prático e ético, mas as sua preocupações mais metafísicas levam-na para a contemplação dos eide (ideias).
[7] Tamiras era um poeta e cantor trácio, que por ter querido rivalizar com as Musas, foi por elas privado de visão.
[8] Palavra grega que significa «esquecimento».
[9] O nome do rio quer dizer «sem cuidados».  





terça-feira, 16 de junho de 2015

Filosofia de Platão (de Jorge Nunes Barbosa)



 Resumo:

Justiça

-Primeiros Diálogos (temas de ordem moral): Platão relata Sócrates em situações cotidianas, sem interesses cosmológicos ou metafísicos, o interesse destas ideias é prático, ético e político (tornar os cidadãos virtuosos). Que esta virtude se possa alcançar pelo conhecimento deriva de uma postura de intelectualismo moral, segundo a qual ninguém faz o mal sabendo-o. Encontramos aqui, portanto, um primeiro aspecto da reflexão filosófica de Platão sobre a justiça: necessita de conhecimento. A virtude exige o conhecimento. – Organizar a cidade para que a Filosofia não seja objeto de perseguição. Pela Maiêutica (parto das ideias) e a Ironia (dissimulação), Sócrates conduz os diálogos à Aporia (falta de conclusão ou  recursos argumentativos sobre o assunto). “Só sei que nada sei!”.
-Diálogos de Transição: sob influência pitagórica, Platão introduz concepções harmônicas e matemáticas nos diálogos para a concepção da Alma (teoria da Reminiscência), tudo voltado para formar os possíveis estadistas da cidade. Reminiscência= todo o conhecimento é só a recordação do que a alma (que, portanto, deve preexistir ao corpo) conheceu quando ainda estava livre do corpo - esta teoria exige esforço (ascese) aos homens x a forma de se aprender as virtudes pagando professores (Sofistas).
-Diálogos da Maturidade: onde se dá a introdução dos temas das Ideias como Universais que se manifestam na multiplicidade dos particulares. A relação que se estabelece entre o conhecimento sensível e a razão são a seguinte: o conhecimento sensível suscita em nós a noção das ideias, mas isto só acontece porque já as conhecemos antes. (na Teoria das Ideias).
   No caminho para a principal obra, que será “A Republica”, Platão vai introduzindo os temas mais importantes que giram em torno da sua visão de Bem e Justiça, assim introduz no Banquete o tema do Amor (amor vulgar, divino, universal, social). A visão de amor que vence o diálogo é o da visão de Ágaton participa da Justiça, da Temperança, da Coragem e da Sabedoria. Porém ali Sócrates dá vitória à visão de Diótima: o amor como Sabedoria o amor não é bom nem é belo; mas também não é mau nem é feio. É um intermediário entre os deuses e os homens: um daimon (um inspirador)

   A República: O objeto da República (mais corretamente, Politeia) é o chamado desafio de Gláucon: fazer a defesa da justiça.

   Começamos por uma pequena cidade ou aldeia que vive em paz e justiça. A cidade cresce com o aparecimento do luxo e da riqueza, ou, dito de outro modo: com a possibilidade dos prazeres sem limite (o fluir, a díade indefinida). O indicador deste crescimento é a necessidade de guardiães. Uma cidade pequena (“de porcos”, em grego) não precisa de guardiães, mas uma cidade grande precisa deles. O problema do crescimento consiste, então, no perigo de esses guardiões se tornarem nos lobos da própria cidade, se não forem convenientemente educados. A educação dos guardiões é a purificação da cidade grande.

  Alma (como o que move o corpo) + Justiça (como Virtude) = Boa administração da cidade. A justiça da cidade consiste em que cada parte faça o que lhe corresponde de forma harmônica.

 A alma é o que move o corpo dos homens, temos três tipos de seres humanos (Produtores, Guardiões, Filósofos), baseados em suas Virtudes:

- A virtude dos produtores é a temperança; a virtude dos guardiões tem de ser a coragem e a dos filósofos é a prudência. A justiça da cidade consiste em que cada parte faça o que lhe corresponde de forma harmônica.

   Tanto as paixões como os desejos não podem, nem devem, ser eliminados da cidade (corresponderia a eliminar a riqueza ou a segurança), mas devem ser guiados pela sabedoria, para que não se destrua a coesão.

   No capitulo VII da Republica, na parte da Alegoria da Caverna Sócrates diz explicitamente que pretende explicar a situação do homem “relativamente à educação e à falta dela”. Isto é, esta Alegoria é sobre a educação, ou, o que é o mesmo, sobre a transmissão da virtude, tema verdadeiramente nuclear da filosofia platônica, que considera a educação como a ação política mais importante dos humanos.

   O dilema que aparece na Alegoria é o eterno dilema da humanidade: a tripla batalha entre o conhecimento, a liberdade e a felicidade. Não podemos ser livres, se não conhecemos a nossa situação (isto é: o que realmente escolhemos, quando acreditamos estar a fazer opções), mas, por outro lado, para poder conhecer, já temos de ser um pouco livres (como o primeiro escravo que se liberta das correntes).

   A pergunta que nunca passa de moda é a que nos leva a procurar saber se estamos dispostos a trocar a nossa ignorante felicidade pela simples aspiração a uma (possível) felicidade mais elevada, sabendo que corremos o risco de perder tudo.

   O fato de que um escravo (que não possui nada, mas tem capacidade de esforço) seja mais capaz de conseguir compreender uma dedução matemática do que um rico ateniense, possuidor de muitos cursos com Sofistas, mas incapaz de esforço intelectual, mostra-nos que a incapacidade para o esforço não é inata: chama-se preguiça.

   A Platão, como pensador político, não passa despercebida a ideia de que a ordem política só pode ser construída sobre uma eficiente transmissão da virtude, pois a democracia facilmente se transforma em demagogia.

   Esta é a grande descoberta de Platão: a impossibilidade de separar a ética da política.

   A justiça é, antes de tudo e sobretudo, uma virtude da alma humana. Não pode haver uma cidade justa composta por homens injustos.
   Mas, afinal, o que é a Justiça para Platão? Tal como para Aristóteles, a justiça é uma questão matemática: fazer cada um aquilo que lhe é adequado, isto é, equidade e retribuição mútua.

   Assim sendo, o que deverá fazer-se é pedir a cada um aquilo que possa dar à comunidade e dar a cada um aquilo que queira obter dela. Isto será a justiça para Platão.

   - Divisão justa e organizada da cidade:

Tipos
de Pessoas:
Virtudes Predominantes:
Ideal que os movem:
O que querem da cidade:

Virtude:
Vícios
Sociais:
Produtores
Temperança
Desejo
Bens materiais
Trabalho
Consumismo
Corrupção
Guardiões

Coragem
Paixão
Honrarias
Sacrifício
Guerras
Disputas
Filósofos

Prudência
Conduzir
Educar
Sabedoria
Ditadura

   Para sabermos o que é adequado a cada homem, é necessário que os classifiquemos, isto é, é necessário que procedamos à classificação das almas dos homens. Tendo essa classificação uma clara intenção política, as suas consequências podem ser encontradas na organização da cidade proposta na Politeia (República). No entanto, a fonte, onde podemos encontrar a sua concepção da alma, é o “Mito do carro alado” explicado por Sócrates no diálogo Fedro.

   Interpretemos, então, o Mito: Os grego concebem a vida como auto-movimento e a alma como o princípio desse auto-movimento vital. A alma é, assim, como que o “motor” do corpo, se por movimento entendermos qualquer mudança (crescimento, aprendizagem, etc.). Segundo Platão, o homem move-se por dois impulsos básicos: os desejos e as paixões.

   Os desejos, aquilo que mais nos aproxima dos animais (embora, pela sua plasticidade, sejam muito diferentes dos impulsos e instintos animais) relacionam-se com a materialidade do nosso corpo: impulsos sexuais, fome, etc. Os desejos é o que é representado, no Mito, pelo “cavalo negro”.

   Por outro lado, também somos movidos por paixões: o amor, o ódio, a glória, o sucesso, a riqueza....

   Por fim, há um terceiro princípio na alma: o condutor ou áuriga, que não tem força nenhuma, só a capacidade de ver. Por isso, a sua única missão é a de conduzir, guiar o carro o mais alto possível, mas em harmonia, evitando a ruptura da parelha de cavalos. Este terceiro princípio da alma é a forma platônica de entender a sabedoria.

   Importa agora explicar a diferença entre desejos e paixões e por que é que Platão considera a paixão um princípio positivo (que nos ajuda a ir mais alto) e considera o desejo um princípio negativo (que nos faz rastejar): o desejo sexual é simplesmente isso mesmo: desejo; pelo contrário, o amor é uma paixão.

   Por desejo, devemos entender toda a inclinação ou tendência imediata para algo. Aqui, a palavra chave é “imediata”. O desejo não é autoconsciente, é um simples impulso, que não contém em si os seus próprios limites: assim, quando temos muita fome, tendemos a servir-nos de mais comida do que a que somos capazes de comer (ter mais olhos do que barriga) e muito mais do que a que nos convém comer. O mesmo acontece com todos os desejos. A imagem de Platão para o desejo é a de fluxo. Os desejos são um fluxo interminável, incapaz de refrear-se a si mesmo e que só nos pode conduzir à doença, à pobreza e, em geral, à infelicidade. Desejo é só desejo de desejar (para sentir-se vivo).

   As paixões são também uma força que, não sendo controlada, nos pode conduzir às piores desgraças. Mas têm algo a seu favor: a capacidade de sacrifício.

   Com efeito, se para alguém é muito importante ser o primeiro em algo (paixão pelo sucesso), terá de ser capaz de se sacrificar para o conseguir. Isto é o que a paixão tem de bom e, por isso, ajuda-nos a subir mais alto, porque contém em si a capacidade para o esforço, que, como vimos, é fundamental para a transmissão da virtude. Aquele que não seja capaz de se sacrificar por nada, que não tenha paixões, não alcançará nunca a virtude.

   Há, portanto, homens guiados prioritariamente pelo desejo, há homens prioritariamente guiados pelas paixões e há homens prioritariamente guiados pela sabedoria. Consistindo a justiça em que cada um faça aquilo que lhe é próprio, esta tipologia de Platão conduz a uma divisão política da comunidade (ver quadro acima). Esta divisão não é estática, consiste num equilíbrio dinâmico que resulta precisamente do fato de o problema central da comunidade, o principal problema político, ser precisamente a transmissão da virtude. É por esta razão que a Alegoria da Caverna é tão determinante para a compreensão de toda a filosofia de Platão. Há indivíduos, em que predomina claramente o fluxo dos desejos e a incapacidade para o sacrifício. Estes indivíduos são felizes como consumidores. Neles, e no fato de constituírem a maioria, baseia-se o consumismo da sociedade.

   Produtores: A estes consumidores não podemos pedir que se sacrifiquem pelo bem comum, só lhes podemos pedir que produzam aquilo que consomem. Por outro lado, a estes indivíduos não lhes interessa a política (o governo do que é comum), a não ser que vejam nela uma oportunidade de negócio. Por isso, segundo Platão, é preferível mantê-los afastados da atividade política. Platão chama a este grupo os produtores, por estas mesmas razões.

   Guardiões: Outro grupo de pessoas aspira, acima de tudo, a ser reconhecido; esses buscam a honra, a fama, a glória, o êxito. Se deixássemos o governo da cidade nas suas mãos, seriam tanto ou mais perigosos do que os anteriores, como acontece nas ditaduras militares, porque não hesitariam em inventar guerras só para poderem ser condecorados, como diz Platão. No entanto devemos reconhecer neles a capacidade para sacrificarem todos os seus desejos, a própria vida, se for caso disso, para salvar a comunidade. Por isso, Platão acha que devem ser os guardiães da cidade.

   Filósofos: O ideal, já o vimos, consiste no equilíbrio entre as duas forças da alma, sob o comando da razão. Filósofo é aquele que é capaz de sacrificar os seus desejos e as suas paixões em nome do conhecimento “simplesmente porque sim”. Só aquele que assim governa a sua alma tem capacidade para governar a cidade. O bom governo implica a manutenção do equilíbrio dinâmico entre as duas forças opostas: os produtores e os guardiões. Este equilíbrio consegue-se, dando-se a cada um aquilo de que necessita e só lhe pedindo aquilo que possa dar à comunidade.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Música: "Cartão de Visita" - Criolo




"Cartão de Visita"



Acende o incenso de mirra francesa
Algodão fio 600, toalha de mesa
Elegância no trato é o bolo da cereja
Guardanapos Gold, agradável surpresa
Pra se sentir bem com seus convidados
Carros importados garantindo o translado
Blindados, seguranças fardados
De terno Armani, Loubotin sapatos
Temos de galão Dom Pérignon
Veuve Clicquot pra lavar suas mãos

E pra seu cachorro de estimação
Garantimos um potinho com pouco de Chandon
Mc Lon tá portanto o VIP
Tássia tem um blog de fina estirpe
Pra dar um clima cool te ofereço de brinde
Imãs de geladeira com Sartre e Nietzsche
Glitter, glamour, la maison criolê
O sistema exige perfil de TV
Desculpa se não me apresentei a você
Esse é meu cartão, trabalho no buffet

Acha que tá mamão, tá bom, tá uma festa
Menino no farol cê humilha e detesta
Acha que tá bom, né não, nem te afeta
Parcela no cartão essa gente indigesta
(Nem tudo que brilha é relíquia, nem jóia)

Governo estimula e o consumo acontece
Mamãe de todo mal e a ignorância só cresce
FGV me ajude nessa prece
O salário mínimo com base no DIEESE
Em frente a shoppin' marcar rolêzin'
Debater sobre cota, copas e afins
O opressor é omisso e o sistema é cupim
E se eu não existo, por que cobras de mim?

O mamão papaia é cassis
Rum com sorvete de bis

Patrício gosta e quem não quer ser feliz?
Pra garantir o padê dão até o edi
Era tudo mentira, sonhei pra valer
Com você, eu ali, nós dois, cê vê tê
A alma flutua à leite, a criança quer beber
Lázaro, alguém nos ajude a entender

Acha que tá mamão, tá bom, tá uma festa
Menino no farol cê humilha e detesta
Acha que tá bom, né não, nem te afeta
Parcela no cartão essa gente indigesta

Acha que tá bom...
Acha que tá mamão...



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Download gratuito do cd: