terça-feira, 16 de junho de 2015

Filosofia de Platão (de Jorge Nunes Barbosa)



 Resumo:

Justiça

-Primeiros Diálogos (temas de ordem moral): Platão relata Sócrates em situações cotidianas, sem interesses cosmológicos ou metafísicos, o interesse destas ideias é prático, ético e político (tornar os cidadãos virtuosos). Que esta virtude se possa alcançar pelo conhecimento deriva de uma postura de intelectualismo moral, segundo a qual ninguém faz o mal sabendo-o. Encontramos aqui, portanto, um primeiro aspecto da reflexão filosófica de Platão sobre a justiça: necessita de conhecimento. A virtude exige o conhecimento. – Organizar a cidade para que a Filosofia não seja objeto de perseguição. Pela Maiêutica (parto das ideias) e a Ironia (dissimulação), Sócrates conduz os diálogos à Aporia (falta de conclusão ou  recursos argumentativos sobre o assunto). “Só sei que nada sei!”.
-Diálogos de Transição: sob influência pitagórica, Platão introduz concepções harmônicas e matemáticas nos diálogos para a concepção da Alma (teoria da Reminiscência), tudo voltado para formar os possíveis estadistas da cidade. Reminiscência= todo o conhecimento é só a recordação do que a alma (que, portanto, deve preexistir ao corpo) conheceu quando ainda estava livre do corpo - esta teoria exige esforço (ascese) aos homens x a forma de se aprender as virtudes pagando professores (Sofistas).
-Diálogos da Maturidade: onde se dá a introdução dos temas das Ideias como Universais que se manifestam na multiplicidade dos particulares. A relação que se estabelece entre o conhecimento sensível e a razão são a seguinte: o conhecimento sensível suscita em nós a noção das ideias, mas isto só acontece porque já as conhecemos antes. (na Teoria das Ideias).
   No caminho para a principal obra, que será “A Republica”, Platão vai introduzindo os temas mais importantes que giram em torno da sua visão de Bem e Justiça, assim introduz no Banquete o tema do Amor (amor vulgar, divino, universal, social). A visão de amor que vence o diálogo é o da visão de Ágaton participa da Justiça, da Temperança, da Coragem e da Sabedoria. Porém ali Sócrates dá vitória à visão de Diótima: o amor como Sabedoria o amor não é bom nem é belo; mas também não é mau nem é feio. É um intermediário entre os deuses e os homens: um daimon (um inspirador)

   A República: O objeto da República (mais corretamente, Politeia) é o chamado desafio de Gláucon: fazer a defesa da justiça.

   Começamos por uma pequena cidade ou aldeia que vive em paz e justiça. A cidade cresce com o aparecimento do luxo e da riqueza, ou, dito de outro modo: com a possibilidade dos prazeres sem limite (o fluir, a díade indefinida). O indicador deste crescimento é a necessidade de guardiães. Uma cidade pequena (“de porcos”, em grego) não precisa de guardiães, mas uma cidade grande precisa deles. O problema do crescimento consiste, então, no perigo de esses guardiões se tornarem nos lobos da própria cidade, se não forem convenientemente educados. A educação dos guardiões é a purificação da cidade grande.

  Alma (como o que move o corpo) + Justiça (como Virtude) = Boa administração da cidade. A justiça da cidade consiste em que cada parte faça o que lhe corresponde de forma harmônica.

 A alma é o que move o corpo dos homens, temos três tipos de seres humanos (Produtores, Guardiões, Filósofos), baseados em suas Virtudes:

- A virtude dos produtores é a temperança; a virtude dos guardiões tem de ser a coragem e a dos filósofos é a prudência. A justiça da cidade consiste em que cada parte faça o que lhe corresponde de forma harmônica.

   Tanto as paixões como os desejos não podem, nem devem, ser eliminados da cidade (corresponderia a eliminar a riqueza ou a segurança), mas devem ser guiados pela sabedoria, para que não se destrua a coesão.

   No capitulo VII da Republica, na parte da Alegoria da Caverna Sócrates diz explicitamente que pretende explicar a situação do homem “relativamente à educação e à falta dela”. Isto é, esta Alegoria é sobre a educação, ou, o que é o mesmo, sobre a transmissão da virtude, tema verdadeiramente nuclear da filosofia platônica, que considera a educação como a ação política mais importante dos humanos.

   O dilema que aparece na Alegoria é o eterno dilema da humanidade: a tripla batalha entre o conhecimento, a liberdade e a felicidade. Não podemos ser livres, se não conhecemos a nossa situação (isto é: o que realmente escolhemos, quando acreditamos estar a fazer opções), mas, por outro lado, para poder conhecer, já temos de ser um pouco livres (como o primeiro escravo que se liberta das correntes).

   A pergunta que nunca passa de moda é a que nos leva a procurar saber se estamos dispostos a trocar a nossa ignorante felicidade pela simples aspiração a uma (possível) felicidade mais elevada, sabendo que corremos o risco de perder tudo.

   O fato de que um escravo (que não possui nada, mas tem capacidade de esforço) seja mais capaz de conseguir compreender uma dedução matemática do que um rico ateniense, possuidor de muitos cursos com Sofistas, mas incapaz de esforço intelectual, mostra-nos que a incapacidade para o esforço não é inata: chama-se preguiça.

   A Platão, como pensador político, não passa despercebida a ideia de que a ordem política só pode ser construída sobre uma eficiente transmissão da virtude, pois a democracia facilmente se transforma em demagogia.

   Esta é a grande descoberta de Platão: a impossibilidade de separar a ética da política.

   A justiça é, antes de tudo e sobretudo, uma virtude da alma humana. Não pode haver uma cidade justa composta por homens injustos.
   Mas, afinal, o que é a Justiça para Platão? Tal como para Aristóteles, a justiça é uma questão matemática: fazer cada um aquilo que lhe é adequado, isto é, equidade e retribuição mútua.

   Assim sendo, o que deverá fazer-se é pedir a cada um aquilo que possa dar à comunidade e dar a cada um aquilo que queira obter dela. Isto será a justiça para Platão.

   - Divisão justa e organizada da cidade:

Tipos
de Pessoas:
Virtudes Predominantes:
Ideal que os movem:
O que querem da cidade:

Virtude:
Vícios
Sociais:
Produtores
Temperança
Desejo
Bens materiais
Trabalho
Consumismo
Corrupção
Guardiões

Coragem
Paixão
Honrarias
Sacrifício
Guerras
Disputas
Filósofos

Prudência
Conduzir
Educar
Sabedoria
Ditadura

   Para sabermos o que é adequado a cada homem, é necessário que os classifiquemos, isto é, é necessário que procedamos à classificação das almas dos homens. Tendo essa classificação uma clara intenção política, as suas consequências podem ser encontradas na organização da cidade proposta na Politeia (República). No entanto, a fonte, onde podemos encontrar a sua concepção da alma, é o “Mito do carro alado” explicado por Sócrates no diálogo Fedro.

   Interpretemos, então, o Mito: Os grego concebem a vida como auto-movimento e a alma como o princípio desse auto-movimento vital. A alma é, assim, como que o “motor” do corpo, se por movimento entendermos qualquer mudança (crescimento, aprendizagem, etc.). Segundo Platão, o homem move-se por dois impulsos básicos: os desejos e as paixões.

   Os desejos, aquilo que mais nos aproxima dos animais (embora, pela sua plasticidade, sejam muito diferentes dos impulsos e instintos animais) relacionam-se com a materialidade do nosso corpo: impulsos sexuais, fome, etc. Os desejos é o que é representado, no Mito, pelo “cavalo negro”.

   Por outro lado, também somos movidos por paixões: o amor, o ódio, a glória, o sucesso, a riqueza....

   Por fim, há um terceiro princípio na alma: o condutor ou áuriga, que não tem força nenhuma, só a capacidade de ver. Por isso, a sua única missão é a de conduzir, guiar o carro o mais alto possível, mas em harmonia, evitando a ruptura da parelha de cavalos. Este terceiro princípio da alma é a forma platônica de entender a sabedoria.

   Importa agora explicar a diferença entre desejos e paixões e por que é que Platão considera a paixão um princípio positivo (que nos ajuda a ir mais alto) e considera o desejo um princípio negativo (que nos faz rastejar): o desejo sexual é simplesmente isso mesmo: desejo; pelo contrário, o amor é uma paixão.

   Por desejo, devemos entender toda a inclinação ou tendência imediata para algo. Aqui, a palavra chave é “imediata”. O desejo não é autoconsciente, é um simples impulso, que não contém em si os seus próprios limites: assim, quando temos muita fome, tendemos a servir-nos de mais comida do que a que somos capazes de comer (ter mais olhos do que barriga) e muito mais do que a que nos convém comer. O mesmo acontece com todos os desejos. A imagem de Platão para o desejo é a de fluxo. Os desejos são um fluxo interminável, incapaz de refrear-se a si mesmo e que só nos pode conduzir à doença, à pobreza e, em geral, à infelicidade. Desejo é só desejo de desejar (para sentir-se vivo).

   As paixões são também uma força que, não sendo controlada, nos pode conduzir às piores desgraças. Mas têm algo a seu favor: a capacidade de sacrifício.

   Com efeito, se para alguém é muito importante ser o primeiro em algo (paixão pelo sucesso), terá de ser capaz de se sacrificar para o conseguir. Isto é o que a paixão tem de bom e, por isso, ajuda-nos a subir mais alto, porque contém em si a capacidade para o esforço, que, como vimos, é fundamental para a transmissão da virtude. Aquele que não seja capaz de se sacrificar por nada, que não tenha paixões, não alcançará nunca a virtude.

   Há, portanto, homens guiados prioritariamente pelo desejo, há homens prioritariamente guiados pelas paixões e há homens prioritariamente guiados pela sabedoria. Consistindo a justiça em que cada um faça aquilo que lhe é próprio, esta tipologia de Platão conduz a uma divisão política da comunidade (ver quadro acima). Esta divisão não é estática, consiste num equilíbrio dinâmico que resulta precisamente do fato de o problema central da comunidade, o principal problema político, ser precisamente a transmissão da virtude. É por esta razão que a Alegoria da Caverna é tão determinante para a compreensão de toda a filosofia de Platão. Há indivíduos, em que predomina claramente o fluxo dos desejos e a incapacidade para o sacrifício. Estes indivíduos são felizes como consumidores. Neles, e no fato de constituírem a maioria, baseia-se o consumismo da sociedade.

   Produtores: A estes consumidores não podemos pedir que se sacrifiquem pelo bem comum, só lhes podemos pedir que produzam aquilo que consomem. Por outro lado, a estes indivíduos não lhes interessa a política (o governo do que é comum), a não ser que vejam nela uma oportunidade de negócio. Por isso, segundo Platão, é preferível mantê-los afastados da atividade política. Platão chama a este grupo os produtores, por estas mesmas razões.

   Guardiões: Outro grupo de pessoas aspira, acima de tudo, a ser reconhecido; esses buscam a honra, a fama, a glória, o êxito. Se deixássemos o governo da cidade nas suas mãos, seriam tanto ou mais perigosos do que os anteriores, como acontece nas ditaduras militares, porque não hesitariam em inventar guerras só para poderem ser condecorados, como diz Platão. No entanto devemos reconhecer neles a capacidade para sacrificarem todos os seus desejos, a própria vida, se for caso disso, para salvar a comunidade. Por isso, Platão acha que devem ser os guardiães da cidade.

   Filósofos: O ideal, já o vimos, consiste no equilíbrio entre as duas forças da alma, sob o comando da razão. Filósofo é aquele que é capaz de sacrificar os seus desejos e as suas paixões em nome do conhecimento “simplesmente porque sim”. Só aquele que assim governa a sua alma tem capacidade para governar a cidade. O bom governo implica a manutenção do equilíbrio dinâmico entre as duas forças opostas: os produtores e os guardiões. Este equilíbrio consegue-se, dando-se a cada um aquilo de que necessita e só lhe pedindo aquilo que possa dar à comunidade.

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