terça-feira, 15 de setembro de 2015

Sobre a Liberdade

“Ética Para Meu Filho” de Fernando Savater

Cap. 3 – Faça O Que Quiser (pgs.61 e 62)
...
   Mas, se já dissemos que nem ordens, nem costumes, e nem caprichos são suficientes para nos guiar quanto à ética, e agora se conclui que não há regulamento claro que nos ensine a ser um homem bom e a funcionar sempre como tal, como iremos nos arranjar? Minha resposta certamente o surpreenderá, e talvez, até o escandalize. Um divertido escritor francês do século XVI, François Rabelais, contou em um dos primeiros romances europeus as aventuras do gigante Gargantua e de seu filho Pantagruel. Eu poderia lhe dizer muitas coisas sobre esse livro, mas prefiro que mais cedo ou mais tarde você resolva lê-lo. Só direi que num certo momento Gargantua decide fundar uma ordem mais ou menos religiosa e instalá-la numa abadia, a abadia de Thélème, sobre cuja porta está escrito este único preceito: “Faça o que quiser.” E todos os habitantes dessa casa santa não fazem absolutamente nada mais do que isso, o que querem. O que você acharia se agora eu lhe dissesse que na porta da ética bem entendida está escrita justamente essa frase: faça o que quiser? É capaz de você se indignar comigo: ora, pois sim que é moral a conclusão que chegamos!, imagine o que aconteceria se todo mundo fizesse simplesmente tudo o que quisesse!, foi para isso que perdemos tanto tempo e gastamos tanto cérebro? Espere, espere, não se aborreça. Dê-me mais uma oportunidade: faça o favor de passar ao próximo capítulo...

Cap. 4: Dê A Si Mesmo Uma Boa Vida (pgs.65 e 66.)

   O que estou pretendendo lhe dizer ao colocar um “faça o que quiser” como lema fundamental da ética em cuja direção caminhamos tateando? Pois simplesmente (embora eu tema que depois acabe não sendo tão simples) que é preciso dispensar ordens e costumes, prêmios e castigos, em suma, tudo o que queira dirigi-lo de fora, e que você deve estabelecer todo esse assunto a partir de si mesmo, do foro íntimo de sua vontade. Não pergunte a ninguém o que você deve fazer de sua vida: pergunte-o a si mesmo. Se você deseja saber em que pode empregar melhor a sua liberdade, não perca colocando-se já de início a serviço de outro ou de outros, por mais que sejam bons, sábios e respeitáveis: sobre o uso da sua liberdade, interrogue... a própria liberdade.

    Claro, como você é um garoto esperto, pode ser que já estejam percebendo que aqui há uma certa contradição. Ao lhe dizer “faça o que quiser” parece que, de todo modo, estou lhe dando uma ordem, “faça isso e não aquilo”, embora a ordem seja agir livremente. Que ordem mais complicada, quando a examinamos de perto! Ao cumpri-la, você está desobedecendo a ela (pois não estará fazendo o que quer, mas o que eu quero e estou mandando); ao desobedecer a ela, você a estará cumprindo (pois está fazendo o que quer e não o que estou mandando... mas é exatamente isso que estou mandando!). Acredite, não estou querendo colocá-lo diante de uma charada como as que aparecem na seção de passatempos dos jornais. Embora esteja tentando lhe dizer tudo isto sorrindo, para não nos aborrecermos mais do que o necessário, o assunto é sério: não se trata de passar o tempo, mas de vivê-lo bem. A aparente contradição que encerra esse “faça o que quiser” é apenas um reflexo do problema essencial da própria liberdade, ou seja, não somos livres para não sermos livres, pois é inevitável que sejamos livres. E se você me disser que chega, que você está farto e não quer continuar sendo livre? E se você resolver entregar-se como escravo a quem fizer a melhor oferta ou jurar que obedecerá para todo o sempre a este ou àquele tirano? Pois você o fará porque quer, estará fazendo uso da sua liberdade e, mesmo obedecendo a outro ou deixando-se levar pela massa, continuará agindo conforme sua preferência: não estará renunciando escolher, mas estará escolhendo não escolher por si mesmo. Por isso um filósofo francês do nosso século, Jean-Paul Sartre, disse que “estamos condenados à liberdade”. Para essa condenação não há indulto possível...

   Assim, meu “faça o que quiser” é apenas uma forma de dizer que você deve levar a sério o problema da sua liberdade, o fato de que ninguém pode dispensá-lo da responsabilidade criadora de escolher seu caminho. Não se pergunte morbidamente se “vale a pena” todo esse alarde em torno da liberdade, pois queira ou não você é livre, queira ou não você tem que querer. Mesmo ao dizer que não quer saber de nada, querendo que o deixem em paz, você também estará querendo... querendo não saber de nada, querendo que o deixem em paz, embora sob a pena de se embotar um pouco. São as coisas do querer, amigo meu, como diz a canção! Mas não devemos confundir o “faça o que quiser” com os caprichos de que falamos antes. Uma coisa é você fazer o que quiser, e outra bem diferente é fazer a “primeira coisa que der vontade”. Não estou lhe dizendo que em certas ocasiões não possa ser suficiente a pura e simples vontade de alguma coisa: que você escolha comer num restaurante, por exemplo. Já que felizmente você tem um bom estômago e não se preocupa em engordar, vamos lá, peça o que quiser, peça o que tiver vontade... Mas, cuidado, pois às vezes a vontade nos faz perder em vez de ganhar.
...
  

Savater, Fernando. Ética Para Meu Filho. Tradução: Mônica Stahel, Ed. Martins Fontes, São  

     Paulo, 2004. 3ª edição.

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

Aristóteles: Ética & As Virtudes

ETHOS em grego significa comportamento, ação, atividade, disto veio nossa ética.
Ética = estudo do comportamento ou a Ciência da Boa Conduta.
- Em Aristóteles, a Ética designa: Práticas, ações cotidianas, hábitos da conduta humana. Não há especificamente “Ética”, mas há sim uma “vida ética, onde “Os verdadeiros prazeres do ser humano são as ações conforme a Virtude”.

Virtudes: Intelectuais e Éticas

1-Virtudes Intelectuais (Dianoéticas): capacidades de conhecimento possíveis à   alma racionalDe acordo com Aristóteles, as virtudes dianoéticas são:
   - a Arte ou Technè: são nossos TALENTOS naturais p/ produzir coisas, com uma
apreciação estética...
   - a Ciência ou Epistéme: conhecimento racional das causas e efeitos das coisas, que
permite à pessoa demonstrar o porque das coisas
   - a Sabedoria Prática, ou Frónesis: nos guia bem na vida cotidiana, saber o q/ é bom ou mau para cada um diante aqui que pode mudar...
   - a Sapiência, ou Sophia: nos aproxima da divindade, transcendência, é a ciência das
 coisas excelentes, que são o que são,
  - o Intelecto ou Noús: conhecimento direto dos princípios demonstráveis, raciocínio e compreensão executados pela alma

- Essas são Virtudes imutáveis, são POTÊNCIAS da parte racional pura da alma de cada um, a alma que as tem são Perfeitas em racionalidade. Nessas virtudes se apresentam o mote, o segredo: estamos destinados à Felicidade porque possuímos já uma parcela da Divindade em nós, que são essas virtudes intelectuais.  

2- Virtudes Éticas: abrangem parte da alma que não é racional, e que deve ser disciplinada.

- Para encontrar a medida justa ou justo meio em qualquer situação da vida temos que aplicar as VIRTUDES ao nosso comportamento, principalmente as VIRTUDES ÉTICAS, ARETÊ = EXCELÊNCIA.

Virtudes Éticas (Hábitos racionais que tornam as pessoas boas e permitem cumprir suas tarefas, e, portanto, serem felizes):

   - TEMPERANÇA: uso justo dos prazeres dos sentidos (comer, beber e sexo).
   - CORAGEM: justo meio entre a covardia e audácia (temer e ser temido).
   - LIBERALIDADE: justo meio entre escravidão e devassidão (não ser escravo das coisas e nem escravizar ninguém).
   - MAGNANIMIDADE: justo meio entre desejar grandes honras e ser digno delas (aqui há o esforço de se fazer sempre merecer as maiores honras).
   - MANSIDÃO: justo meio entre passividade e violência.
   - FRANQUEZA: justo meio entre mentir e o excesso de verdade.
   - JUSTIÇA: superiora todas as virtudes, pois está na base de todas as outras.
  - AMIZADE: é o que dá sentido à existência, e nela q/ as Virtudes e os Bens Materiais se encaixam, afinal, porque seriamos virtuosos e para q/ teríamos bens se não tivéssemos amigos com quem dividir esses prazeres, esses bens, nos pergunta Aristóteles.


 - Virtude inteira e perfeita porque compreende todas as outras. Quem a usa pode servir-se dela para si e principalmente em relação aos outros.


- A Ética, como ação, tem sua base no reconhecimento de nossa dignidade enquanto ser humano e por consequência na dignidade de nossos semelhantes.



quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Aristóteles: Finalidade da Vida Humana = Felicidade


- p/ Aristóteles a vida humana consiste em se descobrir e realizar sua finalidade no mundo, o que se dá somente pela prática das Virtudes. E a finalidade da vida humana é o encontro com o “Bem Supremo” através da Razão, fator que só o ser humano possui.

- Segundo Aristóteles,o que precisamos, a fim de viver bem, é uma apreciação adequada da maneira em que os bens, tais como a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza, se encaixam como um todo, veja que ele não fala aqui só de coisas MATERIAIS.

- A vida humana constitui na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a Felicidade (eudaimonía), pois, a noção de felicidade é uma criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica (= a razão que visa um fim específico).

-AQUILO QUE FAZ AS COISAS SEREM O QUE SÃO É A FINALIDADE PARA QUAL AS COISAS NASCERAM. A estrutura interna de cada coisa depende do seu fim, então, como a finalidade da vida é a FELICIDADE, tudo em nós é de tal modo feito para que alcancemos essa felicidade, então por que existe a dor e a tristeza?

- Aristóteles responderia: porque as pessoas, em suas vidas, procuram satisfazer os desejos transitórios, e não serem felizes! “Desejos transitórios” são aquelas coisas que dependem de outra para que estejamos contentes (bens materiais, pessoa amada, emprego bom, ou seja, tudo que podemos vir a perder ou não acontecer).

- A felicidade não vem de nada disso, porque senão poderíamos comprar a felicidade, mas Aristóteles diz que ela é acessível à TODOS, sem intermédios.

- Assim, a Felicidade é uma condição ÉTICA do ser humano, é uma capacidade moral, ou uma VIRTUDE: o meio termo entre o excesso e a ausência. 

- P/ Aristóteles a finalidade da vida humana é alcançar a Felicidade.
- Felicidade = viver conforme a BOA CONSCIÊNCIA.
- Felicidade entretanto:
                      NÃO É SIMPLES VIVER = como os VEGETAIS. 
                      NÃO É A VIDA PURAMENTE SENSÍVEL =  como os ANIMAIS.
                      É UMA ATIVIDADE RACIONAL DA ALMA HUMANA.

- De tal forma que a felicidade vem pelo HÁBITO de ser RACIONAL, mas mais ainda, é uma PRÁTICA, justamente pela prática de AÇÕES JUSTAS que nos tornamos JUSTOS.

- Ninguém é NATURALMENTE justo ou virtuoso, é um exercício cotidiano, depende de esforço, e depende mais de ser RACIONAL, para achar o JUSTO MEIO em qualquer ação.

- E um detalhe importante: p/ Aristóteles a felicidade deve residir nas coisas que independem de detalhes para possuirmos, assim não podemos depositar nossa felicidade nas coisas passageiras (coisas que a casualidade pode nos tirar – riquezas, amores, tempo), mas nas coisas perenes que nem o tempo e nem a sorte ou o azar podem causar ou destruir.


quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Serra do Luar


Serra do Luar (autor: Walter Franco)

Amor, vim te buscar
Em pensamento
Cheguei agora no vento
Amor, não chora de sofrimento
Cheguei agora no vento
Eu só voltei prá te contar
Viajei...Fui prá Serra do Luar
Eu mergulhei...Ah!!!Eu quis voar
Agora vem, vem prá terra descansar

Viver é afinar o instrumento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora 
De fora prá dentro

Amor, vim te buscar
Em pensamento
Cheguei agora no vento
Amor, não chora de sofrimento
Cheguei agora no vento
Eu só voltei prá te contar
Viajei...Fui prá Serra do Luar
Eu mergulhei...Ah!!!Eu quis voar
Agora vem, vem prá terra descansar

Viver é afinar o instrumento (de dentro)
De dentro prá fora 
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro

Tudo é uma questão de manter
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo
Tudo é uma questão de manter 
A mente quieta
A espinha ereta
E o coração tranquilo
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro
A toda hora, todo momento
De dentro prá fora
De fora prá dentro

Aristóteles


 Vida, Obra e Filosofia:
-Vida:
- Aristóteles, nasceu em Estagira, 384 a.C., foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, o Grande.  Seus escritos abrangem os mais diversos assuntos.
- Aristóteles é considerado O Filósofo, porque com seus estudos ele se tornou o modelo de pensador até hoje, examinando todos os âmbitos da realidade.
- Junto de Sócrates e Platão, Aristóteles é visto como um dos fundadores da Filosofia Ocidental.  
- Aristóteles fundou a escola Liceu em Atenas. Os filiados da escola mais tarde foram chamados de Peripatéticos (peri-pathos: aqueles que caminham).

- Obra:
- Seus estudos filosóficos baseavam-se em experimentações para comprovar fenômenos da natureza. O filósofo valorizava a inteligência humana, racionalidade, a única forma de alcançar as verdades. (x Platão – Ideias – Lembrança).
- Os membros do Liceu, sob a orientação de Aristóteles realizavam pesquisas em uma ampla gama de assuntos, os quais eram de interesse do próprio Aristóteles: botânica, biologia, lógica, música, matemática, astronomia, medicina, cosmologia, física, história da filosofia, metafísica, psicologia, ética, teologia, retórica, história política, do governo e da teoria política, retórica e as artes.
- Assim ele descreveu os campos básicos da investigação da realidade e deu-lhes os nomes com que são conhecidos até os nossos dias.

-Pensamento:
- Os principais fundamentos do pensamento de Aristóteles são:
   - O mais importante é a observação da Natureza e o valor e a dignidade das indagações dirigido à esse mundo natural. Tudo vale a pena ser estudado na natureza, pois o que ali é pesquisado é a substância das coisas.
   - Metafísica = Filosofia Primeira e a Teoria das Substâncias, é o fundamento do conjunto de todos os saberes.
   - Doutrina das 4 Causas (Material – Formal – Motriz – Final) e do Movimento (passagem de potência ao ato).
   4º- Interpretação das Coisas Divinas com o conceito de Primeiro Motor e do Ato  Puro.
   - Teoria do Conhecimento e da Lógica baseada na doutrina da essência substancial ou necessária.
   - Importância da Lógica p/ se ter um conhecimento científico através da dedução pelos silogismos. (livro didático p. 158).

- Além disso tudo, p/ Aristóteles a vida humana consiste em se descobrir e realizar sua finalidade no mundo, o que se dá somente pela prática das Virtudes. E a finalidade da vida humana é o encontro com o “Bem Supremo” através da Razão, fator que só o ser humano possui.
- Segundo Arist., o que precisamos, a fim de viver bem, é uma apreciação adequada da maneira em que os bens, tais como a amizade, o prazer, a virtude, a honra e a riqueza, se encaixam como um todo.

- A vida humana constitui na busca de algo que está no humanamente possível, o que Aristóteles acredita ser a Felicidade (eudaimonía), pois, a noção de felicidade é uma criação humana, sendo plenamente alcançável e obtida pela razão teleológica (= a razão que visa um fim específico).

- A filosofia de Aristóteles dominou verdadeiramente o pensamento europeu a partir do século XII. A revolução científica, promovida pelo Renascimento iniciou-se no século XVI e foi somente onde a filosofia aristotélica foi dominante. 


- Podemos dizer que tudo (ou quase tudo) que aprendemos em nossa cultura ocidental, na escola, através das ciências, foi definido a partir do pensamento de Aristóteles. Nosso modo de pensar é aristotélico, nossa forma de raciocinar até nossos conceitos religiosos cristãos, foram pautados no que Aristóteles pensou. 

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Resumo: O Mito de Er - A República de Platão


O mito de Er é uma história que Platão conta em seu diálogo livro A República, livro X. Trata-se de um relato, transmitido oralmente, de alguém que retornou do Hades. No mito de Er, o essencial é que fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, as almas injustas pagavam a pena de quanto houvessem feito em vida, a fim de purificarem a alma.
Platão, discípulo de Sócrates, dizia que o poder da virtude era tal que teria repercussões para além da própria e limitada vida de um individuo, ou seja, depois da morte. É assim que retoma o tema da imortalidade e relata um mito, figura literária muito usada na Grécia antiga. Este mito é vulgarmente conhecido como O Purgatório, pois representa, para alguns interpretadores, um nível intermédio entre o Inferno e o Céu.
Platão conta o que aconteceu a um habitante, propriamente um guerreiro, que fora morto em batalha.  Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefatos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, estava jazente sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Assim, Platão conta o que outro supostamente observou e comunicou a outros.
Conta Platão que após a sua alma sair do corpo viajou com outras almas até chegar a um lugar divino com duas aberturas contíguas (Aquilo que está próximo a alguma outra coisa, ao lado) na terra e duas no céu frente a estas. No espaço entre elas presidiam juízes que, depois de se pronunciarem, decidiam para onde se encaminhariam as almas. Os justos seguiam para a abertura da direita, que subia ao céu, os injustos seguiam para a da esquerda, que descia. Todas levavam uma nota com o julgamento e com tudo o que haviam feito.
A Er foi dito que seria o mensageiro junto dos homens das coisas daquele lugar. As almas que ali chegavam vindo da terra pareciam vir de uma longa travessia, estavam impuras e imundas, enquanto que as que vinham do céu chegavam puras e limpas contando experiências deliciosas e visões de indescritível beleza. As que chegavam de baixo gemiam e choravam, recordavam sofrimentos e dores da viagem de mil anos por debaixo da terra.
O funcionamento habitual era o de que cada alma pagasse sucessivamente todas as injustiças cometidas, fosse contra quem fosse. A pena de cada injustiça era paga dez vezes. Os atos justos seriam também recompensados deste modo. As interpretações referentes ao número de anos são díspares entre os interpretadores, mas é mais ou menos consensual que cada pena era paga em cem anos, resultando, portanto, nos mil anos totais (dez vezes cem). As exceções existiam relativamente a crimes de homicídio ou de impiedade, quer em relação aos deuses, quer em relação aos pais, em que as penas eram ainda maiores. Note-se ainda que apenas eram dispensadas da viagem por debaixo da terra, em sofrimento, quando finalmente se curassem da sua maldade e expiassem totalmente a pena. Só reunindo estas duas condições a abertura permitia que subissem.
Então, um mensageiro dos deuses pegou em lotes e modelos de vida e dispô-los para as almas escolherem, pois iria começar outro período portador de morte (tempo de vida humana). Havia destinos para todas as espécies, mas destas escolhas resultavam imensas armadilhas. O essencial era escolher a fim de não cair na ganância da tirania e da riqueza, evitar os excessos na vida mundana e optar sempre com muita prudência. Só assim um humano alcançaria a felicidade suprema, não esquecendo que a escolha deveria ser dirigida pela procura da virtude, pois a responsabilidade pesaria apenas sobre quem escolhe.
Er fica sabendo que todas as almas renascem em outras vidas para se purificarem de seus erros passados até que não precisem mais voltar à Terra, permanecendo na eternidade. Antes de voltar ao nosso mundo, as almas podem escolher a nova vida que terão. Algumas escolhem a vida de rei, outras de guerreiro, outras de comerciante rico, outras de artista, de sábio. Depois as almas foram conduzidas para a planície por onde corre o rio Lethé (que, em grego, quer dizer esquecimento) e, todas foram forçadas a beber uma certa quantidade de água, esquecendo tudo, umas mais que as outras, conforme bebiam mais ou menos. As que irrefletidamente bebiam mais esqueciam demais, eram os tolos e as que bebiam menos eram os sábios.

As que escolheram vidas de rei, de guerreiro ou de comerciante rico são as que mais bebem das águas do esquecimento; as que escolheram a sabedoria são as que menos bebem. Assim, as primeiras dificilmente (talvez nunca) se lembrarão, na nova vida, da verdade que conheceram, enquanto as outras serão capazes de lembrar e ter sabedoria, usando a razão. Acontece o trovão e um tremor de terra, era a hora das almas irem ao encontro dos seus destinos a fim de nascerem, e Er impedido de beber acordou divinamente na pira funerária.

As Parcas

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Platão: O Mito de Er

«- A verdade que o que te vou narrar não é um conto de Alcínoo, mas de um homem valente, Er o Arménio, Panfílio de nascimento. Tendo ele morrido em combate, andavam a recolher, ao fim de dez dias, os mortos já putrefactos, quando o retiraram em bom estado de saúde. Levaram-no para casa para lhe dar sepultura, e, quando, ao décimo segundo dia, estava jazente sobre a pira, tornou à vida e narrou o que vira no além. Contava ele que, depois que saíra do corpo, a sua alma fizera caminho com muitas, e havia chegado a um lugar divino, no qual havia, na terra, duas aberturas contíguas uma à outra, e no céu, lá em cima, outras em frente a estas. No espaço entre elas, estavam sentados juízes que, depois de pronunciarem a sua sentença, mandavam os justos avançar para o caminho à direita, que subia para o céu, depois de lhes terem atado à frente a nota do seu julgamento; ao passo que, os injustos, prescreviam que tomassem à esquerda, e para baixo, levando também atrás a nota de tudo quanto haviam feito. Quando se aproximou, disseram-lhe que ele devia ser o mensageiro, junto dos homens, das coisas do além, e ordenaram-lhe que ouvisse e observasse tudo o que havia naquele lugar. Ora ele viu que ali, por cada uma das aberturas do céu e da terra, saíam as almas, depois de terem sido submetidas ao julgamento, ao passo que pelas restantes, por uma subiam as almas que vinham da terra, cheias de lixo e de pó, e por outra desciam as almas do céu, em estado de pureza. E as almas, à medida que chegavam, pareciam vir de uma longa travessia e regozijavam-se por irem para o prado acampar, como se fosse uma panegíria[1]; e as que se conheciam, cumprimentavam-se mutuamente, e as que vinham da terra faziam perguntas às outras, sobre o que se passava no além, e as que vinham do céu, sobre o que sucedia na terra. Umas, a gemer e a chorar, recordavam quantos e quais sofrimentos haviam suportado e visto na sua viagem por baixo da terra, viagem essa que durava mil anos, ao passo que outras, as que vinham do céu, contavam as suas deliciosas experiências e visões de uma beleza indescritível. Referir todos os pormenores seria, ó Gláucon, tarefa para muito tempo. Mas o essencial dizia ele que era o que segue. Fossem quais fossem as injustiças cometidas e as pessoas prejudicadas, pagavam a pena de tudo isso sucessivamente, dez vezes por cada uma, quer dizer, uma vez em cada cem anos, sendo esta a duração da vida humana – a fim de pagarem, decupilando-a, a pena do crime; por exemplo, quem fosse culpado da morte de muita gente, por ter traído Estados ou exércitos e os ter lançado na escravatura, ou por ser responsável por qualquer outro malefício, por cada um desses crimes suportava padecimentos a duplicar; e, inversamente, se tivesse praticado boas acções e tivesse sido justo e piedoso, recebia recompensas na mesma proporção. Sobre os que morreram logo a seguir ao nascimento e os que viveram pouco tempo, dava outras informações que não vale a pena lembrar. Em relação à impiedade ou piedade para com os deuses e para com os pais, e crimes de homicídio, dizia que os salários eram ainda maiores.
Contava ele, com efeito, que estivera junto de alguém a quem perguntaram onde estava Ardieu o Grande. Este Ardieu tinha sido tirano numa cidade da Panfília, havia já então mil anos; tinha assassinado o pai idoso e o irmão mais velho, e perpetrado muitas outras impiedades, segundo se dizia. E o interpelado respondera: “Não vem, nem poderá vir para aqui. Na verdade, um dos espectáculos terríveis que vimos foi o seguinte: Depois de nos termos aproximado da abertura, preparados para subir, e quando já tínhamos expiado todos os sofrimentos, avistámos de repente Ardieu e outros, que eram tiranos, na sua quase totalidade; mas também havia alguns que eram particulares que tinham cometido grandes crimes – que, quando julgavam que já iam subir, a abertura não os admitia, mas soltava um mugido cada vez que algum desses, assim incuráveis na sua maldade ou que não tinham expiado suficientemente a sua pena, tentava a ascensão. Estavam lá homens selvagens, que pareciam de fogo, e que, ao ouvirem o estrondo, agarravam alguns pelo meio e levavam-nos, mas, a Ardieu e outros, algemaram-lhes as mãos, pés e cabeça, derrubaram-nos e esfolaram-nos, arrastaram-nos pelo caminho fora, cardando-os em espinhos, e declaravam a todos, à medida que vinham, por que os tratavam assim, e que os levavam para os precipitar no Tártaro”. Então tinham tido terrores múltiplos e variados, mas o maior de todos era o de cada um deles ouvir o mugido, quando ia a subir, e foi com o maior gosto que cada um fez a ascensão ante o silêncio daquele. Eram mais ou menos estas as penas e castigos, e bem assim as vantagens que lhes correspondiam. Depois de cada um deles ter passado sete dias no prado, tinham de se erguer dali, e partir ao oitavo dia, para chegar, ao fim de mais quatro dias, a um lugar de onde se avistava, estendendo-se desde o alto através de todo o céu e terra, uma luz, direita com uma coluna, muito semelhante ao arco-íris, mas mais brilhante e mais pura. Cegaram lá, depois de terem feito um dia de caminho, e aí mesmo, viram, no meio da luz, pendentes do céu, as extremidades das suas cadeias (efectivamente essa luz é uma cadeia do céu, que tal como as cordagens das trirremes, segura o firmamento na sua revolução); dessas extremidades pendia o fuso da Necessidade, por cuja acção giravam as esferas. A respectiva haste e gancho eram de aço; o contrapeso, de uma mistura desse produto e de outros. Quanto à natureza do contrapeso, era como segue. A sua configuração era semelhante à dos daqui, mas, quanto à sua constituição, contava ele que devíamos imaginá-la da seguinte maneira: era como se, num grande contrapeso oco e completamente esvaziado, estivesse outro semelhante, maior, que coubesse exactamente dentro dele, como as caixas que se metem umas nas outras; do mesmo modo, um terceiro, um quarto, e mais quatro. Com efeito, eram oito ao todo, os contrapesos, encaixados uns nos outros, que, na parte superior, tinham o rebordo visível com outros tantos círculos, formando um plano contínuo de um só fuso em volta da haste. Esta atravessava pelo meio, de lés-a-lés, o oitavo. Ora o primeiro contrapeso, o exterior, era o que tinha o círculo de rebordo mais largo; o segundo lugar cabia ao sexto, o terceiro ao quarto, o quarto ao oitavo, o quinto ao sétimo, o sexto ao quinto, o sétimo ao terceiro, o oitavo ao segundo. O círculo do maior era cintilante, o do sétimo era o mais brilhante, o do oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava, o do segundo e do quinto eram muito semelhantes entre si; um pouco mais amarelados do que aqueles, o terceiro era o que tinha a cor mais branca, o quarto era avermelhado, o sexto era o segundo em brancura[2].O fuso inteiro girava sobre si na mesma direcção, mas, na rotação desse todo, os sete círculos interiores andavam à volta suavemente, em direcção oposta ao resto. Dentre estes, o que andava com maior velocidade era o oitavo; seguiam-se, ao mesmo tempo, o sétimo, o sexto, e o quinto; o quarto parecia-lhes ficar em terceiro lugar nesta revolução em sentido retrógrado, o terceiro em quarto, e o segundo em quinto. O fuso girava nos joelhos da Necessidade. No cimo de cada um dos círculos, andava uma Sereia que com ele girava, e que emitia um único som, uma única nota musical; e de todas elas, que eram oito, resultava um acorde de uma única escala[3]. Mais três mulheres estavam sentadas em círculo, a distâncias iguais, cada uma em seu trono, que eram as filhas da Necessidade, as Parcas[4], vestidas de branco, com grinaldas na cabeça – Láquesis, Cloto e Átropos – as quais estavam ao som da melodia das Sereias, Láquesis, o passado, Cloto, o presente, e Átropos o futuro. Cloto, tocando com a mão direita no fuso, ajudava a fazer girar o círculo exterior, de tempos a tempos; Átropos, com a mão esquerda, procedia do mesmo modo com os círculos interiores; e Láquesis tocava sucessivamente nuns e noutros com cada uma das mãos. Ora eles, assim que chegaram, tiveram logo que ir para junto de Láquesis. Primeiro, um profeta dispô-los por ordem. Seguidamente, pegou em lotes e modelos de vidas que estavam no colo de Láquesis, subiu a um estrado elevado e disse:
“Declaração da virgem Láquesis, filha da Necessidade. Almas efémeras, vai começar outro período portador da morte para a raça humana. Não é um génio[5] que vos escolherá, mas vós que escolhereis o génio. O primeiro a quem a sorte couber, seja o primeiro a escolher uma vida a que ficará ligado pela necessidade. A virtude não tem senhor, cada um terá em maior ou menor grau, conforme a honrar ou desonrar. A responsabilidade é de quem escolhe. O deus é isento de culpa”.
Ditas estas palavras, atirou com os lotes para todos e cada um apanhou o que caiu perto de si, excepto Er, a quem isso não foi permitido. Ao apanhá-lo, tornaram-se evidentes para cada um a ordem que lhe cabia para escolher. Seguidamente, dispôs no solo, diante deles, os modelos de vida, em número muito mais levado, do que os dos presentes. Havia-os de todas as espécies, vida de todos os animais, e bem assim de todos os seres humanos. Entre elas, havia tiranias, umas duradoiras, outras derrubadas a meio, e que acabavam na pobreza, na fuga, na mendicidade. Havia também vidas de homens ilustres, umas pela forma, beleza, força e vigor, outras pela raça e virtudes dos antepassados; depois havia também as vidas obscuras, e do mesmo modo sucedia com as mulheres. Mas não continham as disposições do carácter, por ser forçoso que este mude, conforme a vida que escolhem. Tudo o mais estava misturado entre si e com a riqueza e a indigência, a doença e a saúde, e bem assim o meio termo entre estes predicados. É ai que está, segundo parece, meu caro Gláucon, o grande perigo para o homem, e por esse motivo se deve ter o máximo cuidado em que cada um de nós ponha de parte os outros estudos para investigar e se aplicar a isto, a ver se é capaz de saber e descobrir quem lhe dará a possibilidade e a ciência de distinguir uma vida honesta da que é má e de escolher sempre em toda a parte tanto quanto possível a melhor […]
Ora, então, anunciou o mensageiro do além, o profeta falou deste modo: “Mesmo para quem vier em último lugar, se escolher com inteligência e viver honestamente, espera-o uma vida apetecível, e não uma desgraçada. Nem o primeiro deixe de escolher com prudência[6], nem o último com coragem”.
Ditas estas palavras, contava Er, aquele a quem coube a primeira sorte logo se precipitou para escolher a tirania maior, e, por insensatez e cobiça, arrebatou-a, sem ter examinado capazmente todas as consequências, antes lhe passou despercebido que o destino que lá estava fixado comportava comer os próprios filhos e outras desgraças. Mas, depois que a observou com vagar, batia no peito e lamentava a sua escolha, sem se ater às prescrições do profeta. Efectivamente, não era a si mesmo que se acusava da desgraça, mas à sorte e às divindades, e a tudo, mais do que a si mesmo. Ora, esse era um dos que vinham, do céu, e vivera, na incarnação anterior, num Estado bem governado; a sua participação na virtude devia-se ao hábito, não à filosofia. Pode-se dizer que não eram menos numerosos os que vindos do céu, se deixavam apanhar em tais situações, devido à sua falta de treino nos sofrimentos. Ao passo que os que vinham da terra, na sua maioria, como tinham sofrido pessoalmente e visto os outros sofrer, não faziam a sua escolha à pressa. Por tal motivo, e também devido à sorte da escolha, o que mais acontecia às almas era fazerem a permuta entre males e bens. […]
Era digno de se ver este espectáculo, contava ele, como cada uma das almas escolhia a sua vida. Era, realmente, merecedor de piedade, mas também ridículo e surpreendente. Com efeito, a maior parte fazia a sua opção de acordo com os hábitos da vida anterior. Dizia ele que vira a alma que outrora pertencera a Orfeu escolher uma vida de cisne, por ódio à raça das mulheres, porque, devido a ter sofrido a morte às mãos delas, não queria nascer de uma mulher; vira a de Tamiras[7] escolher uma vida de rouxinol; vira também um cisne preferir uma vida humana, e outros animais músicos procederem do mesmo modo. [..]
Assim que todas as almas escolheram as suas vidas avançaram, pela ordem da sorte que lhes coubera, para junto de Láquesis. Esta mandava a cada uma o génio que preferira para guardar a sua vida e fazer cumprir o que escolhera. O génio conduzia-a primeiro a Cloto, punha-a por baixo da mão dela e do turbilhão do fuso a girar, para ratificar o destino que, depois da tiragem à sorte, escolhera. Depois de tocar no fuso, conduzia-a a novamente à trama de Átropos, que tornava irreversível o que fora fiado. Desse lugar, sem se poder voltar para trás, dirigia-se para o trono da Necessidade, passando para o outro lado. Quando as restantes passaram, todas se encaminharam para a planura do Letes[8], através de um calor e uma sufocação terríveis.
De facto, ela era despida de árvores e de plantas. Quando já entardecia, acamparam junto do Rio Ameles[9], cuja água nenhum vaso pode conservar. Todas são forçadas a beber uma certa quantidade dessa água, mas aquelas a quem a reflexão não salvaguarda bebem mais do que a medida. Enquanto se bebe, esquece-se tudo. Depois que se foram deitar e deu a meia-noite, houve um trovão e um tremor de terra. De repente, as almas partiram dali, cada uma para seu lado, para o alto, a fim de nascerem, cintilando como estrelas. Er, porém, foi impedido de beber. Não sabia, contudo, por que caminho nem de que maneira alcançara o corpo, mas, erguendo os olhos de súbito, viu, de manhã cedo, que jazia na pira.
Foi assim, ó Gláucon, que a história se salvou e não pereceu.»

Platão, República, Livro X, 614b-621c.
(Texto recolhido por: Miguel Alexandre Palma Costa)


[1] Nome genérico para os festivais religiosos dos gregos. A palavra significa etimologicamente «reunião geral».
[2] Seguindo a interpretação de Conford, o círculo exterior é o das estrelas fixas; o sexto, o de Vénus; o quarto, de Marte; o oitavo, da Lua; o sétimo, do Sol; o quinto, de Mercúrio; o terceiro, de Júpiter; o segundo, de Saturno. Quando se diz que”o oitavo tinha a cor do sétimo, que o iluminava”, está-se a explicar a origem do luar, que, aliás, já fora compreendida por Xenófanes, Parménides, Empédocles e Anaxágoras.
[3] É a famosa «harmonia das esferas».
[4] Em grego, as Moirai; nos poemas homéricos, a Moirai representa, para cada um, o seu destino fixo, inamovível.
[5] No original encontramos a palavra daimon, que a partir de Hesíodo pode designar um ser intermédio entre deuses e homens. A ideia do daimon como uma espécie de «anjo da guarda» está aqui presente, mas à uma tentativa de fuga ao fatalismo implícito na crença popular grega.
[6] Inicialmente, em Platão a phronesis tem um significado prático e ético, mas as sua preocupações mais metafísicas levam-na para a contemplação dos eide (ideias).
[7] Tamiras era um poeta e cantor trácio, que por ter querido rivalizar com as Musas, foi por elas privado de visão.
[8] Palavra grega que significa «esquecimento».
[9] O nome do rio quer dizer «sem cuidados».